domingo, 14 de junho de 2015

Transição e auto estima - 5 dicas para atravessar esse momento

Mas o que é a transição?

Transição da forma mais comum de pensar é um momento intermediário. Algo entre o que vc era e o que vai ser ou pretende ser.
Por exemplo a adolescência: nem criança, nem adulto. Bem ali no meio.

Usando esse exemplo da adolescência, podemos pensar que e uma fase de muita confusão, dúvidas, tempo de avanços e retrocessos e o importante é saber que é muito normal esses processos nesse tempo, querer desistir de tudo, ficar insegura se é o caminho certo a seguir, se vai ficar bonita, como vai ser quando tiver que cortar o cabelo, se vc vai gostar do que vai ver, se vais se acostumar com a textura do cabelo.

E nesse processo, nós já começamos perdendo. Porque temos contra nós uma imagem bastante negativa sobre nossos cabelos, a visão de que ele é ruim, de que é duro, que arranha, que não é tratável sem química. Imagem essa que a mídia, que o racismo fizeram o desfavor de incutir nas nossas cabeças. E como nós somos frutos dessa sociedade que vivemos, essas ideias grudam na gente. Então o primeiro passo é desconstruir essas ideias.

O que eu gostaria de marcar aqui é que a transição capilar é apenas uma parte do processo de transição. Mas o que eu quero dizer com isso?

Bem, primeiro a gente precisa refletir sobre o porquê, em uma sociedade onde a maioria da população é negra, os traços, a cultura, o jeito dessa população não é valorizada? Isso tem a ver com o racismo. Desde pequenas não encontramos pessoas com quem possamos nos identificar em lugares de destaque, desde a TV, passando por profissionais que a gente admira como jornalistas, médicos, advogados e até mesmo nos livros didáticos. Atualmente houve um aumento de figuras de pessoas negras nos livros didáticos por conta de uma lei que foi aprovada e que obriga as escolas a incluírem o conteúdo da história da África e dos afro brasileiros no ano letivo.

Além disso, tudo que diz respeito a população negra é menosprezado. Falam do nosso cabelo, do nosso jeito de falar, de rir, do nosso corpo (ou vc costuma ver bailarinas ou modelos negras com frequência? Não, porque temos quadril largo, bunda grande e um corpo que não se encaixa na estética eurocêntrica), desprezam também nossa cultura, o samba foi discriminado, atualmente o funk tb é (não estou incentivando ninguém a gostar de proibidões, mas a questionar porque julgamos sem ouvir outras letras, sem pensar na batida, sem estarmos atentos a um cultura que vem da comunidade que nada tem de apoio estatal), desprezam também a religiosidade afro brasileira: candomblé e a umbanda.

Falei disso tudo para voltar ao ponto: como se sentir confortável para sermos do jeito que nascemos, do jeito que somos, em uma sociedade que nos tem nesse lugar?

E é por isso que muitas vezes, sobre o pretexto de que nosso cabelo é intratável, indomável, que usamos químicas transformadoras para ficar mais aceitável. Aceitável para quem??? Quem mesmo precisa ser agradada?

Assim, eu caracterizo o processo de transição como um processo de troca de lugar. De mudar o foco do olhar externo para o olhar subjetivo. É quando começamos a olhar pra dentro e querer nos integrar com nossas origens, redescobrir nossa identidade de uma forma mais saudável, por isso o processo de transição é um processo de auto-amor.

E por que não é só cabelo?

Bem, é possível mudar esteticamente e não pensar nessas questões todas. Mas nesse processo a gente continua lidando com o preconceito que nos assola. Você terá que lidar com perguntas e críticas de sua família, amigos, nos seu local de trabalho, na rua e das formas mais surpreendentes e desconfortáveis que você possa pensar. E como vai responder a isso se não compreender isso tudo? Talvez uma pergunta fora de hora, vá abalar tudo que vc vem construindo no seu processo de transição, vá te levar pro primeiro dia após sua decisão de não usar mais química, quando a insegurança era maior que a certeza.

E como fazer, então?
Eu posso compartilhar aqui o que tenho observado ao longo desse meu processo algumas coisas importantes:
  1.        Saber porque vc começou a transição. Pode ser por motivo de saúde, por queda dos cabelos, para recuperar ou se reencontrar com sua identidade, para alinhar seu discurso à pratica antirracista, enfim, podem ter mil motivos e vc terá algum, mas é importante que vc pense sobre isso e saiba se isso é importante pra vc e o quanto é importante, porque quando te confrontarem, você saberá o que te motiva.
  2. .       Buscar se informar sobre seu cabelo, sobre os cuidados que precisa ter, sobre penteados que possam te ajudar na transição e facilitar na hora de lidar com os fios, se você vai preferir usar tranças, mega hair ou se usará penteados que ajudem a texturizar seu cabelo,  porque a vida não pára e vc vai continuar trabalhando, vai ter casamentos, batizados, formaturas e se vc sentir que passar pela transição está limitando sua vida, você ficará tentada a na seguir adiante. Mas saiba que existem alternativas e há muitos blogs e grupos que podem ajudar nisso.
  3.       Ainda na perspectiva do apoio, procurar blogs, canais no youtube, grupos no facebook que fazem sobre cabelos crespos. Parece bobagem, mas os grupos de apoio nos fortalecem, vc poderá tirar dúvidas, roçar receitas, desabafar... Além de conhecer um monte de gente que passa ou já passou por isso e se fortalecer com essas experiências, você ainda poderá tirar dúvidas, aprender um monte de receitas e se inspirar. Uma dica extra é procurar seguir o canal ou os canais de alguém que tenha o tipo de cabelo e/ou o tom de pele parecido com o seu, assim vc ainda ganha o bônus de aprender sobre produtos que podem ficar bem na sua pele e penteados que vc pode usar no cabelo. Isso não é uma regra, mas ajuda.
  4.        Não tenha vergonha de pedir ajuda. Quem já passou pela transição sabe o quanto é delicado esse momento. Na minha transição eu tive muitas dúvidas e vontade de desistir mil vezes, mas foi tomando coragem e pedindo ajuda a uma youtuber que eu seguia que ganhei fôlego para seguir, recebi dica de cabeleireira, me fortaleci, segui adiante e até fizemos um vídeo juntas. Portanto, não tenha vergonha, peça ajuda.
  5.        E, por fim, ouse, se permita redescobrir-se. Teste novas coisas antes de rejeitar por medo de não se sentir bem. A transição é um processo de mudança externa e interna, então, use novas cores, teste novas posturas, observe quem te apoia, ouça sua voz interna, sinta vc mesmo suas experiências antes de se deixar levar pela opinião alheia e persista, porque você sabe porquê está fazendo isso.


Eu não vou mentir, não é um processo fácil, como nenhuma transição é. É um processo dolorido até, mas qual renascimento não seria doloroso? Mas lembra da Fênix, ela precisa morrer para renascer, linda, das cinzas.

Nos dizem muitas coisas que a gente acredita ao longo da vida e no processo de transição a gente aprende a quebrar essas barreiras, dizem que a gente não pode usar cor, que não nos cai bem. Use! Veja se te faz bem e aí sim decida. Não há muitos tons de maquiagens para pele negra, procure, pegue dicas nos canais do youtube, têm muitas meninas que fazem mistura de tons para chegar ao seu. Se puder, compre no exterior, mas não empaque só porque dizem que vc não pode. Nós podemos, sim! Dizem que não podemos usar rosa... Coloque seu Pink e saia divando. Ponha seu acessório no cabelo, seu colar, aquilo que vc gostar e se não gosta, experimente. Não subestime o alcance do preconceito que nos impuseram, às vezes, a gente acha que não gosta porque disseram que não fica bem em negros e negras, pois bem, vamos sacudir essas regras e descobrir.

E ao final disso tudo, a gente ganha algo muito precioso, que é estar em sintonia com aquela voz que existe dentro de nós, o auto-amor, auto respeito e a auto estima necessárias pra enfrentarmos as intempéries da vida.

E é por isso que eu digo a transição é muito mais do que cabelo, somos nós, negras e negros recuperando nosso lugar no mundo.
P.S.: Em breve sai o vídeo com essa conversa.


Beijos da Pretricinha.

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